O futuro debatido no presente (NOVA SESSÃO DO FESTLATINO EM MACAU)
Novembro 29, 2011
A Escola Portuguesa recebeu ontem o primeiro dia do seminário “A Língua Portuguesa no contexto do diálogo entre a China e o mundo lusófono”. Miguel Senna Fernandes, Yao Jing Ming e José Rocha Dinis foram os oradores de serviço.
Patuá, literatura lusófona traduzida e jornalismo. Estes foram os três ingredientes base do primeiro dia de seminário “A Língua Portuguesa no contexto do diálogo entre a China e o mundo lusófono”.
A sessão, promovida pelo Instituto Internacional de Macau em parceria com o Movimento Internacional de Culturas, Línguas e Literaturas Neolatinas – Festlatino e o Observatório da Língua Portuguesa, desafiou a jovem plateia a reflectir e descobrir alguns dos diferentes legados que os portugueses deixaram pelo mundo.
Podia ter sido uma seca? Podia. Mas, desde logo, Miguel Senna Fernandes tentou contrariar isso e nem foi preciso muito esforço. É que o patuá que faz questão de promover é razão suficiente para não deixar adormecer nem o adolescente mais desinteressado.
“Esta língua diz-vos alguma coisa?”, atirou o presidente da Associação dos Macaenses, depois de mostrar um vídeo de uma peça de teatro falada em patuá. E explicou: “É uma variante daquilo que os nossos antepassados falavam”.
Por esta altura, os mais curiosos já tinham em mente uma questão: quantos são os falantes? “A resposta a esta pergunta é embaraçosa. Não são muitos. O patuá deixou de ser útil, não o utilizamos para fazer compras ou usar a Internet”, disse Senna Fernandes, acrescentado ainda que “a literatura é parca”.
Mesmo assim, o advogado – que se considera um “estudioso do crioulo” – acredita que é através dos resquícios de patuá que os macaenses podem encontrar as suas raízes. Ou seja, mais do que um objecto linguístico, estamos na presença de um documento histórico vivo.
“Nós temos todo o interesse em aprofundar o estudo desta língua porque conta a história dos portugueses e a forma como a cultura se manifestou e adaptou, aqui em Macau.” No entanto, engana-se quem pensa que o patuá nasceu disso mesmo, pois não se trata de uma mistura de português e chinês. Decorre, sim, dos crioulos de base portuguesa, mas com “contornos muito próprios que o afasta dos seus primos de Malaca e Damão”.
Porque a “língua” pressupõe sempre evolução, com o tempo, foram sendo importados alguns elementos regionais. Explica Miguel Senna Fernandes que, “desde o século XX, introduziu-se o cantonês no dialecto, tornando-o mais actual.” Facto que torna o patuá num excelente objecto de estudo, mesmo na ausência de uma gramática editada.
Sem esquecer o escritor Adé – nascido José dos Santos Ferreira –, o advogado macaense ainda teve tempo de brindar o público que encheu o auditório da Escola Portuguesa com o vídeo da música “Macau Sâm Assi”, interpretada pelo grupo Dóci Papiaçam di Macau. Uma boa forma de piscar o olho aos mais novos que se mostraram entusiasmados com um legado histórico-linguístico que, de acordo com o presidente da Associação dos Macaenses, podia merecer mais atenção da “Grande China”.
“Faltam tradutores de qualidade”
Tradutor, poeta e professor, Yao Jing Ming apresentou neste seminário “Um breve esboço sobre a tradução de escritores de Língua Portuguesa para Chinês”. Conclusão: durante muito tempo, a literatura lusófona não foi objecto de interesse para quem habitava as terras do Oriente.
No entanto, esta realidade foi mudando ao longo dos tempos e, hoje, nomes como Fernando Pessoa, Jorge Amado, José Saramago ou Paulo Coelho fazem parte das estantes das livrarias chinesas. No caso do Nobel português, Yao Jing Ming disse mesmo que “é muito apreciado na China devido à sua reflexão sobre a condição humana”, sendo por isso, ao lado de Pessoa, “o mais conhecido”.
Outro dos escritores que tem captado a atenção do público da China é Eugénio de Andrade. “Conseguiu criar um universo próprio e impressionou muito os poetas chineses”, disse o tradutor.
Questionado sobre a possível perda de sentido que a poesia pode sofrer no processo de tradução, Yao afirma que “se conseguimos compreender as diferenças da língua, também é possível compreender a poesia”. “O sentimento é humano e o português ama da mesma forma que o chinês. Perde-se alguma coisa, mas o tradutor tenta compensar e encontrar outros termos. Portanto, a tradução é um processo de perder e ganhar”, justificou.
Considerando que o conhecimento da literatura portuguesa foi beneficiado com a criação do Instituto Internacional de Macau, o escritor nascido em Pequim, que já recebeu do Presidente da República Portuguesa a Ordem de Sant’Iago da Espada (concedida por mérito literário, científico e artístico), confessou que, apesar de tudo, “faltam tradutores de qualidade”, sendo esta realidade “um obstáculo à divulgação de obras na língua de Camões, na China”. P.G.
O futuro dos media
A encerrar o seminário, coube ao director do Jornal Tribuna de Macau (JTM) traçar o futuro dos media no território. Futuro esse que, na opinião de José Rocha Dinis, é indissociável da revisão da Lei de Imprensa.
“A actual lei não foi regulamentada em dois pontos fundamentais: o Conselho de Imprensa e o Estatuto de Jornalista”, afirmou, acrescentando ainda que “a auto-regulação poderia ser a solução para resolver estes problemas”.
“Os profissionais ainda vão a tempo de se reunirem em torno do projecto de auto-regulação que garanta o Estatuto de Jornalista com um quadro ético e deontológico, e um Conselho de Imprensa que envolva um conjunto de profissionais do sector, mas onde estejam representados os cidadãos que são os clientes dos media.”
O director do JTM disse, ainda, que só assim será possível “assegurar um ambiente democrático”. E acrescentou: “Digo isto porque se os profissionais não o fizerem alguém o fará por eles.”
Crítico em relação aos “milhares gastos num estudo da Universidade de Ciência e Tecnologia e aos milhões dispensados na sondagem deliberativa que se vai realizar a 4 de Dezembro”, Rocha Dinis sintetizou a sua visão numa frase: “Fui, sou e serei contra a revisão da lei”.
Sobre o universo jornalístico de Macau, lembrou que no território existe “o maior número de jornalistas portugueses por metro quadrado”, facto que contribuiu para a “divulgação da língua portuguesa e para a abertura da RAEM ao mundo”.
Sobre a subsidiação dos meios pelo Governo da RAEM, que se aplica a todos por igual, o jornalista realçou que não existe “qualquer contrapartida em termos de linha editorial”. Além disso, esta aposta do Executivo “faz parte de uma estratégia política global da China com interesses económicos de penetração no Brasil e na Europa, através de Portugal, e nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa”. P.G.
Sessão de encerramento
. “Desenvolver as vantagens culturais e linguísticas para converter a RAEM num centro de ensino e investigação da língua portuguesa na China” (Prof. Dr. Choi Wai Hao)
. “Acordamos ou não, Macau” (Prof. Antónia Espadinha)
Auditório do Instituto Internacional de Macau, hoje, às 18h
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